Polémico q.b., goste-se ou não (e há tantas razões para gostar ou odiar a obra dele) Lars von Trier é um realizador que gosta de testar. Não só os limites do espectador, mas também a forma de filmar. Uma das suas experiências mais conhecidas talvez seja o movimento Dogma 95, criado por cineastas dinamarqueses em 1995 em defesa de um cinema mais realista e menos comercial, com bastantes restrições a nível da utilização de meios técnicos e tecnológicos nos seus filmes. A sua fama de mau carácter e desbocado, veja-se o que aconteceu na última edição de Cannes, leva-o a ser visto com maus olhos por muito boa gente. E uma experiência, a vários níveis, é o que se pode considerar «The Boss Of It All», comédia pouco conhecida de von Trier realizada em 2006, que serviu também para o realizador testar uma técnica denominada Automavision, através da qual um computador decide quando é que a câmara se move, depois de ter sido posicionada. Esta característica leva a que muitos dos planos surjam no mínimo estranhos, mas no conjunto do filme o resultado acaba por ser o mais adequado. Para mais pormenores sobre a técnica, aconselho uma vista de olhos no site oficial do filme.
O filme retrata a história de Kristoffer (Jens Albinus), um actor falhado, adepto de uma estranha técnica teatral criada por Gambini, que é contratado pelo dono de uma empresa para fazer de presidente dessa mesma empresa, um personagem que o próprio dono companhia inventou para justificar as suas acções, bastante censuráveis do ponto de vista ético. A chegada do presidente, que não é, tem também outro propósito: ajudar o dono da empresa a vender a companhia a um empresário islandês, pois quem tem de assinar o contrato é o presidente. Mas a chegada do boss of it all vem mudar completamente a vida da empresa, sobretudo quando os funcionários começam a questionar algumas situações do passado, que supostamente tinham sido da responsabilidade do presidente, mas tinham sido de facto ordens do dono da empresa, que no fundo apenas não queria arcar com as responsabilidades.
O argumento parece ser um pouco confuso, mas não é e esta experiência de von Trier quase que se pode assemelhar a um episódio da versão britânica da série «The Office», do saudoso Ricky Gervais. Só falta mesmo ser filmada num registo de falso documentário. Os imbróglios causados pela situação em que Kristoffer se vê envolvido são tantos, que este filme acaba por ser também uma crítica aos empresários sem escrúpulos, que tudo fazem para ganhar dinheiro à custa dos outros, sem se preocuparem com o que lhes vai suceder. E à medida que o filme vai avançando e se afeiçoa aos seus falsos subordinados, os seus dilemas são tantos, que tudo culmina numa das cenas de tensão mais cómicas de sempre.
E «The Boss Of It All», no seu universo tão estranho (e se calhar tão incrivelmente real, como só a realidade por vezes consegue ser) é uma das comédias sobre o universo do trabalho num escritório mais bem conseguidas, absurdas e inteligentes dos últimos tempos. Para quem não gostar, o próprio von Trier, que por vezes vai aparecendo para dar indicações ao espectador, despede-se com uma boa conclusão, numa das suas muitas provocações que continuam a surpreender meio mundo quando o louco realizador dinamarquês abre a boca.
Nota: 4/5
Site oficial do filme
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