quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Para onde vão os espectadores do Cinema português?

É tema recorrente em inúmeras discussões sobre o Cinema que se faz em Portugal vir à baila a questão da falta de público do Cinema português. Por curiosidade abri hoje o e-mail da newsletter do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), coisa que confesso ser raro fazer, e resolvi ver os dados sobre as receitas de bilheteira e os filmes mais vistos, números relativos aos filmes estreados durante o primeiro semestre de 2011. Qual não foi o meu espanto ao ver que o filme português mais visto, «Complexo Universo Extraordinário», teve apenas 17.102 espectadores, seguido de longe de «A Cidade dos Mortos» e «48», com 6.777 e 3.135 espectadores, respectivamente. Curiosamente são três documentários, algo estranho num país onde é bastante raro este tipo de filmes chegar ao circuito comercial. Só no início do ano estrearam 7. O mesmo número de filmes não atingiu sequer a fasquia dos mil espectadores.

Ao olhar para estes números questionei-me se há ou não público para os filmes portugueses. Aparentemente não e eu faço mea culpa, pois dos 16 filmes que surgem no ranking (num outro quadro o ICA refere que estrearam 14 filmes portugueses...) apenas vi 3, dois dos quais em festival. Mas quando há tanta gente por aí a defender o cinema que se faz por cá, porque razão não há espectadores nas salas de cinema para ver estes filmes?

Será por falta de promoção? Não me parece, pois alguns dos filmes, casos de «América», «Viagem a Portugal» ou «Complexo Universo Paralelo», tiveram alguma exposição mediática e pelo menos em Lisboa havia publicidade às estreias nas ruas. Os dois primeiros, que tive oportunidade de ver no IndieLisboa, tiveram sala cheia e foram ovacionados e bastante aclamados nas respectivas projecções. Total de espectadores dos dois filmes depois da estreia: 3369 espectadores.

Será por falta de nomes conhecidos no elenco ou na ficha técnica? O mais recente filme de Manoel de Oliveira, «O Estranho Caso de Angélica», foi visto em sala por 2.396 espectadores. «Budapeste», adaptação de um livro bastante popular de Chico Buarque, teve uma audiência de 2.290 espectadores. O documentário «Com Que Voz» sobre a vida de Alain Oulman, um dos nomes ligados à música de Amália Rodrigues, teve 2.063 espectadores.

Será por não serem demasiado comerciais, como muitos defendem que o Cinema português deve ser? Reportando uma vez mais aos filmes que vi, «América» encaixa-se perfeitamente nesta categoria, e falhou redondamente ao ter apenas 1500 espectadores. Nem um elenco com Fernando Luís, actor bastante popular na TV, e com Raul Solnado, naquele que seria o seu último papel em Cinema, salvou o filme, para mim um dos melhores filmes portugueses que tive oportunidade de ver nos últimos anos. E é uma enorme pena não ter sido visto por mais gente.

Será pelo preço dos bilhetes? No meu caso é e confesso que o meu problema foi ter-me habituado ao Cartão Medeia (para quem não conhece, trata-se de uma iniciativa dos cinemas Medeia que permite ver os filmes estreados nas salas da distribuidora, at+e dois por dia, pagando uma mensalidade ou anuidade). Mas se não fosse esta possibilidade, penso que não veria tantos filmes como vejo actualmente, mesmo com a queda da oferta que se tem verificado nos últimos tempos. Se hoje consigo ver dois ou três filmes no cinema durante o fim-de-semana é graças ao cartão. Se tivesse de pagar 5 ou 6 euros por bilhete, sem contar com o 3D, que quando nos é impingido aumenta consideravelmente o preço dos bilhetes, penso que iria apenas uma vez por semana ao cinema.

Podia juntar aqui inúmeros factores que todos poderiam ser válidos: qualidade, gosto das pessoas, estreias em poucas sessões, preconceito (porque não?) e por aí fora. Temo é que com as propostas do actual governo, que segundo se diz pondera deixar de subsidiar filmes de realizadores que não compensam nas bilheteiras, o futuro do Cinema português ficará ainda mais negro do que é actualmente. E, já agora, o que terá a recentemente criada Academia Portuguesa das Artes e Ciências Cinematográficas a dizer sobre esta questão? Para mim, ver estes dados deixam-me triste.

Os dados a que me reporto podem ser vistos aqui. E em jeito de provocação fica um trecho de alguém que sabia como poucos fazer Cinema em Portugal.

6 comentários:

  1. Luís Pedro Lourenço10 de janeiro de 2012 às 21:47

    No sábado, indirectamente este teu artigo subiu ao palco pelas minhas palavras. Abraço

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  2. Por acaso reparei que houve várias pessoas a fazerem alusão a esse problema. Gostava mesmo que houvessem mais pessoas a ver filmes portugueses no Cinema, mas ao mesmo tempo não consigo perceber porquê, daí o meu texto. Abraço.

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  3. Luís Pedro Lourenço10 de janeiro de 2012 às 23:13

    Eu diria primeiro que tudo, o preconceito. E em segundo, o facto menosprezarmos o que é nosso. Mas O GRANDE problema é o sistema distribuição. Repara lá no numero salas e copias onde é exibido. Pelo descobri, um filme americano em estreia dá em 93 salas. Um português comercial não dá em mais de 20 e por muito pouco tempo. Normal é so darem em 3 salas e TODAS em Lisboa.
    Por isso falei aquilo de propor a semana Portugal nos cinemas. Acho que só não tem mais espectadores porque distribuidoras nao querem. Abraço

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  4. Já me lembro de ti e da tua intervenção. Às vezes é difícil ligar nomes às caras, desculpa.
    No fundo penso que é uma mistura de vários factores e sim, o preconceito acho que ainda tem muito peso. A questão das distribuidoras também dá pano para mangas, mas se formos por aí não é só o Cinema português que sofre, infelizmente. Mesmo em Lisboa, qualquer dia dificilmente se verá filme menos comercial. Essa ideia de criar uma semana do cinema português é boa, mas será que as pessoas depois aderiam? Não sei, tenho as minhas dúvidas.
    Abraço

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  5. Luís Pedro Lourenço11 de janeiro de 2012 às 00:19

    Pois havia sempre a hipotese de ninguém ir ao cinema nessa tal semana, mas acredita que em muitas localidades do país seria a unica vez em decadas que um filme portugues passava por lá.

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  6. É bem possível. Infelizmente é uma realidade que irá continuar assim pelo andar da carruagem. Ao menos o João Botelho ainda os teve no sítio para levar um filme em digressão pelo país.

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